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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Republicanos ou democratas?

 



 

Marcos Troyjo


Diretor do BRICLab da Universidade Columbia e professor do Ibmec
 

 

 
Sempre que se avizinham eleições presidenciais nos EUA, vem a pergunta: o que interessa mais ao Brasil, republicanos ou democratas? A reeleição de Barack Obama ou uma Casa Branca liderada por Mitt Romney?

As vantagens para América Latina (Brasil em particular) de uma eventual presidência Romney residiriam nos EUA priorizando a agenda econômica global sobre a agenda política global. Os EUA buscariam privilegiar novas parcerias de modo a diminuir a chamada "sinoinfluência", a crescente presença da China nos tabuleiros internacionais. Isto, se bem negociado, poderia ofertar benefícios pontuais em termos de acesso privilegiado de exportações brasileiras ao mercado norte-americano.

Existe a sensação de que a ênfase asiática da política externa de Obama deixou muitos espaços de influência abertos na América Latina -- região algo esquecida pelo Departamento de Estado nestes últimos anos. Tais espaços não são ocupados por forças simpáticas a Washington. O Brasil desempenha papel importante nesse jogo. Poderia relançar cooperação com os EUA que produzisse resultados em outras dimensões, como o decisivo apoio dos EUA ao tradicional pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Já as desvantagens de uma vitória republicana ganhariam força com críticas à "internacionalização" dos EUA. Reforçadas pelo insularismo de setores mais conservadores do Partido Republicano, tais posições levariam a uma ênfase do esforço de investimento em conteúdo nacional -- e delimitado sobretudo para atividades empresariais realizadas no âmbito do próprio território norte-americano.

Os EUA diminuiriam, portanto, o estoque relativo de capital passível de converter-se em investimentos estrangeiros diretos (IEDs) com destino a países como o Brasil. Seria a tendência a termos menos produtos "Made in the World" (frutos da desterritorialização da produção, das empresas-redes e do outsourcing) em nome de políticas industriais mais paroquiais, que propiciassem uma volta ao "Made in USA".

Vale lembrar que os EUA ainda são o principal centro irradiador de IEDs para o Brasil. A China, que se tornou nossa maior parceira comercial em anos recentes, está reorientando estratégias em prol de seu mercado interno. Com isso, os EUA tendem a reassumir o posto de principal parceiro comercial do Brasil.

Tradicionalmente se argumenta que as administrações democratas são mais focadas nos problemas internos dos EUA e, em termos econômicos, mais protecionistas.
Presidentes republicanos praticam política externa mais abrangente e unilateral em assuntos político-militares embora, em questões de comércio e investimento, deixam mais aberto o acesso ao mercado interno norte-americano. Estas distinções de estilo vão se embaralhar ante a fragilidade da recuperação econômica global.

O certo é que, num ou noutro cenário, o Brasil haverá de reformular, à luz de seus próprios interresses, o que deseja do relacionamento com os EUA. A China desacelera. A Europa convalesce. A América Latina move-se em diferentes velocidades -- Colômbia e México decolam; Argentina e Venezuela patinam. Os EUA, cujo crescimento percentual do PIB pode superar o brasileiro em 2012, têm de ser repriorizados na agenda estratégica do Brasil.
 
(Postado por  Valéria Albuquerque - Real Consultoria e Serviços)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Crescimento não é desenvolvimento

Crescimento não é desenvolvimento
Marcos Troyjo
Diretor do BRICLab da Universidade Columbia e professor do Ibmec



O Brasil não adota um "modelo de desenvolvimento". O que existe no País é um "padrão-de-crescimento-baseado-no-apetite-do-mercado-interno".
As noções de "modelo" e "padrão" são bem distintas. A primeira é de natureza estratégica e dinâmica; abrange um "plano". A segunda é tática e recorrente; reage aos desígnios da economia global. A primeira promove desenvolvimento. A segunda, crescimento.

Muitos acham que ainda é possível ao Brasil expandir sua economia a taxas satisfatórias apenas com o incentivo ao consumo do mercado interno. Há porém muitas condicionantes para que o “padrão” se transforme em “modelo”. Baixo nível de poupança e investimento. Arcaísmo trabalhista e tributário. Gargalos de infraestrutura. Educação, ciência, tecnologias insuficientes.
À imagem da experiência histórica de outros países, o Brasil precisa eleger um modelo. Elencar prioridades. Por elas sacrificar-se.
Isto passa necessariamente pelos setores em que o Brasil apresenta vantagens comparativas. Agronegócio, mineração, petróleo em águas profundas, biocombustíveis. Estas devem ser as bases para uma nova economia. A plataforma de geração de excedentes a serviço da construção das novas vantagens competitivas do Brasil -- na nanotecnologia, bioengenharia, biotecnologia, química fina, novos materiais, na robótica, porque aqui é que está o futuro. Estes são os diferenciais competitivos que vão colocar os países na vanguarda dos mercados em ascensão.
A atual reinterpretação da política de substituição de importações no Brasil é um bom exemplo da diferença entre "modelo" e "padrão". É praticamente impossível perceber modelos de fomento industrial ao redor mundo que não tenham sido feitos com alguma forma de substituição de importações. Esta é quase que uma passagem necessária para a criação de capacidades locais.
A substituição de importações não pode ser vista como regra ad eternum. Ela tem que ser uma espécie de proteção para o nascimento das competências num setor específico da atividade econômica, que capacita aquele setor a competir internacionalmente.

Para a construção do "modelo" há que se ter por base três elementos. O primeiro é vontade política. O segundo, condições objetivas do ponto de vista da disponibilidade de capital. O terceiro, um bom diagnóstico daquilo que o mundo é hoje. Orientar estratégias às oportunidades que se descortinam para o Brasil.

Sempre se critica o "déficit" de vontade política. Mas é difícil imaginar alguém como a Presidente Dilma Rousseff desprovida da vontade de construir um "atalho para o desenvolvimento" que leve a nação a patamares muito mais elevados. Ela intui a importância da inovação e de reposicionar o País na economia do conhecimento.
Ainda assim, o Brasil de hoje confunde o "padrão" de expansão por estímulos pontuais ao mercado interno com o que seja um "modelo" que permita nossa evolução econômica. E daí continuarmos a nos equivocar no diagnóstico – e portanto na compreensão de diferença entre crescimento e desenvolvimento.

BE. 3.7.12

(Postado por Valéria Albuquerque - Real Consultoria e Serviços)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Entrevista Marcos Troyjo ISTOÉ DINHEIRO: "BRICs: é preciso mexer em time que está ganhando'"



ECONOMIA

ONLINE | Economia | 20.ABR.12 - 21:00 | Atualizado em 20.04 - 21:44

'BRICs: é preciso mexer em time que está ganhando'

A afirmação é do economista e diplomata Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Universidade Columbia, de Nova York, que acompanha o crescimento dos quatro países emergentes, entre eles o Brasil

Por Carla Jimenez
Assista à entrevista com o diretor do BRICLab, Marcos Troyjo
Em time que está ganhando se mexe, avisa o economista e diplomata Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Universidade Columbia, de Nova York, que acompanha o crescimento dos quatro países emergentes, entre eles o Brasil. “OS BRIC são como um time de futebol que está em vantagem, mas que precisa ser mexido para que continue vencendo”, explica ele. Ou seja, aumentar investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento, e no fim do labirintos burocráticos, observa Troyjo. “Hoje o empresário brasileiro gasta menos tempo falando com sua cadeia de fornecedores e mais com seu contador, e advogado para entender cipoal tributário.”

DINHEIRO: O Brasil está indo bem na condução da sua política macroeconômica?
MARCOS TROYJO:
Há muitas razões para olhar o copo e dizer que está metade cheio, mas também há muitos motivos para dizer que ele está meio vazio. O Brasil tem muitas oportunidades. Só no pré-sal, a Petrobras investirá, nos próximos dez anos, o equivalente ao que a Nasa investiu nos dez anos mais produtivos na corrida espacial. Fora o que vem de outras áreas, como biotecnologia, por exemplo. Mas há muitas coisas que nós não estamos fazendo ainda.

DINHEIRO: O que você citaria que estamos fazendo certo?
TROYJO:
Estamos tendo mecanismos inovadores interna e externamente de distribuição de renda. Bolsa Família é um deles. Estamos fazendo certo em aplicar programa de renda mínima. Algo mais ligado a alívio da pobreza do que ao desenvolvimento. Nós acertamos ao escolher algumas macroáreas como agricultura, mineração e petróleo e gás, onde temos grandes vantagens comparativas e competitivas. Também temos uma gestão macroeconômica há 16 anos que é espartana, com Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, uma razoável autonomia de Banco Central, as meta de inflação, etc. O que há de novo hoje: há muito tempo nao tinhamos política industrial.

DINHEIRO: Nós temos política industrial consistente?
TROYJO:
Nós temos sim, sempre tivemos, de alguma forma. Mas na época em que predominavam os modelos do Consenso de Washington, mantinham-se as contas fiscais em aberto, os países tinham baixa poupança, etc. O principal pilar do Consenso, que era a idéia de que a solução de desenvolvimento viria de livres capitais, convidava à inexistência de política industrial, pois atores em si trabalhavam sob a idiea de que cabia ao mercado decidir.

DINHEIRO: E hoje?
TROYJO:
Como sucessor desse período e de mentalidade, há um duplo fenômeno. Há uma parte defensiva que é governar aumentando barreiras, estabelecendo cotas de importação, por exemplo, e subsídio ao produtor nacional. Isso é um perigo, menos inovador, e responde pontualmente à gritaria de um setor ou outro. Mas não é uma estratégia de longo prazo. Agora há um outro movimento no Brasil. O País testemunha o renascimento silencioso das chamadas políticas de substituição de importações, que eu chamo de ‘substituição de importações 2.0’.A versão anterior, a 1.0, digamos assim, é quando o economista argentino Raul Prebich e o brasileiro Celso Furtado pensaram num modelo diferente, levando em conta uma tendência internacional de depreciação de commodities. A questão era industrializar ou morrer.

DINHEIRO: O cenário era outro...
TROYJO:
Sim, os países não tinham poupança interna, não tinham base empreendedora nacional importante, não haviam insitituições de fomento, tudo estava por fazer. O jeito era criar uma política de contratação de poupança internacional, que é dívida externa e repassar para o ator local, e assim ele tinha os recursos necessários para se industrializar. E você protegia o ator local da competição internacional por um determinado tempo. Nesse modelo, há três caracteristicas básicas: além de ser sustentado por dívida externa, você gera moeda para obter dólar, e tem viés xenofóbico. Você tem de encontrar um parceiro local que faça o que o estrangeiro faria.

DINHEIRO: E a substituição 2.0?
TROYJO:
Como a nossa economia é voltada para o mercado interno, e se trata de um mercado muito vibrante, é preciso driblar as barreiras tarifárias para aproveitar essa vantagem. A única maneira de vender aqui é se ‘abrasileirar’. É diferente da China, onde toda empresa que entra é para se tornar uma grande plataforma de exportação. Aqui não, quem entra aqui é para atender ao mercado interno. Além da ponta do consumo da sociedade, há um fenômeno mais recente, que é o do poderosíssimo instrumento das compras governamentais ou das compras de empresas de economia mista.

DINHEIRO: Estamos indo bem nessa estratégia?
TROYJO:
Olha, há alguns exemplos malucos. A Petrobrás, por exemplo, precisa comprar 20 navios por ano, navios estes com autorização para cruzar continentes. O custo desses navios especiais giram em torno de US$ 75 milhões, US$ 80 milhões, dependendo da região que ele vai se movimentar. A Petrobrás vai pagar US$ 125 milhões. Ou seja, há um prêmio de US$ 45 milhões. Mas nessas especificações, 65% das embarcações têm de ser produzidas no Brasil. Precisa ter o soldador local, o engenheiro naval local, o sujeito que faz a terraplanagem localmente, e leva-se em conta os preços relativos no Brasil. Terras mais caras, infraestrutura de energia, etc.

DINHEIRO: Mas o que justifica esse prêmio de US$ 45 milhões sobre o preço médio internacional?
TROYJO:
50% dos US$ 45 milhões é curva de aprendizado para o Brasil. Em dez, 15 anos, cria-se um aprendizado que faz com que a oportunidade corra atrás desse conhecimento. Os outros 50% são os custos locais: trabalhista, fiscal, complexidade tributária no Brasil. O nome do jogo é ‘local-contentismo'.

DINHEIRO: Há uma choradeira geral sobre desindustrialização no Brasil. Estamos perdendo indústrias?
TROYJO:
Na verdade o Brasil está se reindustrializando em alguns setores, caso de petróleo e gás, logística, na cadeia agropecuária e na indústria naval.

DINHEIRO: Nós conseguimos mensurar quando isso começa a trazer o retorno efetivo para o país?
TROYJO:
Transformar-se num pólo industrial vai depender do que faremos com a nossa curva de aprendizado. Com 5% de PIB em educação dá para fazer isso? Não. E para aprender, você precisa de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento. O Brasil está grudado há 25 anos no teto de 1% de investimento em P&D.

DINHEIRO: O que precisa mudar no Brasil?
TROYJO:
Qualquer setor manufatureiro no Brasil gasta menos tempo falando com sua cadeia de fornecedores e mais com seu contador, e advogado para entender cipoal tributário. é uma das coisas que não estamos fazendo. se este país investir 7,5% em educaçao, poupar 25% do pib, investir 2,5% em Ciência e tecnologia, e hoje há todas as condições para fazer isso, por causa do nosso ‘hedge’ do pré-sal. Se fosse assim, seríamos uma potência, podíamos ter uma renda per capita igual à da Espanha (US$ 29 mil), quase três vezes a nossa.

DINHEIRO: Privilegiar o conteúdo local tem recebido críticas, como uma fórmula protecionista que facilita a ineficiciência.
TROYJO:
A primeira pergunta que faço no curso que promovo em Columbia é: Os BRICs estão efetivamente emergindo? Todos dizem que sim. Mas estão subindo por quê? Eles estão ascendendo porque têm conseguido trabalhar políticas de atração de investimento para desenvolver conteúdo local.

DINHEIRO: Por que nós não conseguimos alcançar o status de plataforma de exportações, como outro países?
TROYJO:
Este é um tema que eu estudei muito. Pelas mais diferentes razões. Desde razões "lusoibéricas", a memória genética da monocultura de exportação ainda é muito presente. Se você tem uma cultura de exportação de poucos produtos, ou oligocultura, não é necessário ter uma pauta internacional brilhante. Não se é um país vendedor, é um país que é comprado. Isso é um fator histórico que explica coisas engraçadas. Somos um país de 190 milhões de pessoas e 8 empresas multinacionais. A Suécia é um país de 8 milhões de pessoas e tem 180 empresas multinacionais.

DINHEIRO: Os outros países do BRIC estão melhores que nós?
TROYJO:
A Rússia já teve o maior centro de cientistas. Em 1972, a URSS tinha um em cada 4 cientistas no mundo. Eles competiam na corrida especial, mas não conseguiam desenvolver um fogão para esquentar comida. A Rússia tem um problema demográfico hoje, muitos idosos. Tem um cheiro de fim de século, depressivo, de que o passado é mais glorioso que o presente e futuro será menos ainda. Um jovem de 20 anos na Rússia quer ir embora. Faz coisas lindas, na arquitetura, bons na arte, é um caso muito complexo. As pessoas não querem mais ter filhos, e além disso, carecem de transparência no Estado.

DINHEIRO: E a Índia?
TROYJO:
Um professor disse certa vez que a China era um civilização fingindo ser um país. Acho que a Índia também. É um pais tão grande, com escolas como o MIT, Oxford, tem um pólo de software, farmacêutico, e tem muito empreendedorismo, mais que a China, o Brasil, e a Rússia. A experiência de falar inglês massivamente os fez adquirir a cultura de venture capital, por exemplo. Mas eles também têm 800 milhões de pessoas qee vivem sob as limitações de regimes de castas. É um país, também, com características complicadas. Já teve problemas com a China, é país nuclear, e tem um vizinho nuclear que o odeia (Paquistão)...

DINHEIRO: E quanto à China?
TROYJO:
Ela está fazendo as coisas certas. Investe em educação, inovação. Em 2000, somente 0,6% ia para P&D. Hoje, investe 1,5%. Em 2025, serão 2%. Os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,25%. O que eles aprenderam? As razões que os farão grandes fortes, poderosos e prestigiosos no futuro são razões diferentes que os tornaram mais fortes, poderosos e prestigiosos nesta década. No futebol dizemos: em time que está ganhando não se mexe. Mas para falar do futuro dos BRIC é exatamente o oposto. Um time que está ganhando e que precisa ser mexido para que continue vencendo. É porque está dando certo que você precisa mudar. Querem deixar de ser nação comerciante para investir mais em ciência e tecnologia. Querem menos crescimento do PIB mas com mais qualidade. Os chineses têm um plano. Ao contrário de nós: nós não temos um plano.

DINHEIRO: Então entre os quatro países, o mais pronto é a China?
TROYJO:
Há dados para sustentar isso. Trilhões de dólares de reserva, US$ 1,2 trilhão de exportações.

DINHEIRO: O Brasil não tem tantas reservas, por exemplo, mas está melhor do que no passado...
TROYJO
: Mas aí você está comparando o Brasil com ele mesmo. E aí é como bater o recorde sulamericano de natação. É bom, mas não é o recorde mundial. Mas se por um lado a China está bem preparada, ela tem desafios muito maiores de escala brutal. Os brasileiros são, entre aspas, “mais fáceis” de serem manejados. É só querer...
--
Marcos Troyjo
Director,
BRICLab
Adjunct Associate Professor of International and Public Affairs
Columbia University
International Affairs Building, 13th Floor
212-854-3213
mt2792@columbia.edu
 
(Postado por Valéria  Albuquerque/Real Consultoria e Serviços)

quinta-feira, 29 de março de 2012

'Vedomosti', principal jornal de Economia da Rússia, traz entrevista com Marcos Troyjo

'Vedomosti', principal jornal de Economia da Rússia, traz entrevista com Marcos Troyjo

O jornal russo “Vedomosti", principal diário econômico da Rússia, entrevistou em Moscou o brasileiro Marcos Troyjo, professor do IBMEC, no Rio de Janeiro, e diretor do BRICLab da Universidade Columbia, em Nova York. A entrevista saiu em página inteira e foi reproduzida no site do importante jornal moscovita.

A seguir, os pontos mais importantes da fala de Marcos Troyjo aos repórteres do “Vedomosti”.

Vedomosti – Marcos Troyjo, qual a relevância do termo BRIC? Ele já não estaria obsoleto? Nos últimos tempos, alguns especialistas garantem que a Rússia não deveria fazer parte do grupo.

Marcos Troyjo – Eu discordo completamente daqueles que buscam excluir a Rússia do grupo. O BRIC não é um bloco econômico, nem um projeto de integração regional, nem uma organização internacional, nem uma plataforma para alcançar consenso nas relações internacionais. Também não constitui uma parte de outra organização, como a ONU ou a Organização Mundial do Comércio. O que seria o BRIC? É uma categoria que permite entender a mudança de paradigma do sistema internacional. Quando falo de mudança, não falo somente de critérios econômicos. Aliás, mesmo se julgarmos por estes, não se pode excluir a Rússia do BRIC, visto que, por exemplo, possui o PIB per capita mais alto entre esses quatro países. Como ignorá-la? É o maior país do mundo, sua população tem quase 150 milhões de pessoas, é uma potência nuclear, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, é o maior produtor de petróleo do mundo. 20% dos pesquisadores do mundo são russos, visto que a Rússia gasta uma parte significativa do seu PIB em pesquisas e desenvolvimento. É claro que a Rússia é uma parte integrante do BRIC.

Vedomosti – Não seria válido enquadrar outros países nessa categoria?

Marcos Troyjo – Existe um grande grupo de países em desenvolvimento, se é que ainda podemos chamá-los de países em desenvolvimento. O próprio Jim O'Neill, criador do nome do grupo, os chama de mercados de crescimento, economias em crescimento. Acredito que ele esteja certo: trata-se de países que são a maior fonte de crescimento mundial. Nesse grande grupo existem países que diferem muito entre si, no que diz respeito ao território, população, política externa, ambição e economia. Entre eles, existem os países líderes, constituídos por Brasil, Rússia, Índia e China, e há ainda outros países que também são importantes, mas esses não se equiparam com os líderes da categoria. Por exemplo, uma vez por ano acontece o fórum de consulta política dos BRICS, incluindo a África do Sul aos quatro países que originaram o grupo. No Brasil, o Estado do Rio de Janeiro, até o final do ano, terá um PIB igual ao da África do Sul inteira. Mas no Brasil existem 27 Estados. Como se pode incluir a África do Sul nessa categoria? A questão é que, por motivos políticos, por exemplo, o Brasil quer se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, e, para isso, precisa do apoio dos países africanos; Por isso, pode incluir a África do Sul no fórum de consultas políticas. Mas se nos basearmos em evidências de mudanças no equilíbrio de forças do mundo, podemos considerar apenas o BRIC.

Vedomosti – Num artigo sobre as metas da economia da Rússia, Vladimir Putin escreveu que após a queda do bloco soviético a Rússia deveria se encaixar na Divisão Internacional do Trabalho, pela qual grandes centros têm se desenvolvido sem a inclusão da Rússia, ainda mais aqueles que se formaram em oposição à União Soviética. Mas o mesmo pode ser dito da China. No entanto, agora a Rússia é basicamente um país petroleiro, e a China é a principal potência industrial do mundo. Por que esses dois países tiveram destinos tão diferentes?

Marcos Troyjo – A diferença é explicada pelo fato de que no final dos anos 1970 a China desenvolveu e realizou um projeto estratégico para melhorar o bem-estar e a prosperidade. Isso foi um projeto muito bem formulado e gradual, que foi muito bem aceito pelas condições internacionais da época e as mudanças mundiais nos 30 anos seguintes. A Rússia não fez nada parecido. Como foi construído o modelo chinês? Devido ao fato de os esforços da geopolítica dos Estados Unidos serem direcionados ao comunismo, por terem interesse em derrubar o regime soviético, os norte-americanos tiveram interesse em criar uma tensão entre Moscou e Pequim. Em 1979, a China foi a nação mais favorecida em termos comerciais pelos Estados Unidos. Isso significa que os bens produzidos na China seriam tratados no mercado dos Estados Unidos como norte-americanos. Mas a China não apenas ganhou acesso ao maior mercado do mundo. Ela criou um clima de negócios muito favorável, estimulando o desenvolvimento de parcerias público-privadas (PPP) para a construção de infraestrutura pública; teve baixos índices de imposto de renda e imposto sobre os lucros das empresas; alocou ações de empresas que trabalham no continente. Graças a isso, a China começou a sugar os investimentos de empresas de manufatura do mundo inteiro, que buscavam acesso à parceria público-privada chinesa e ao mercado norte-americano. E não se pode esquecer da enorme vantagem competitiva da China, que tem uma mão de obra muito barata (que, com o tempo, é claro, se reduziu). Os chineses realizaram um modelo que chamo em meus livros de modelo da “Nação Comerciante”. Esse país disse pra si mesmo: o crescimento será resultado da exportação; o comércio será seu instrumento, com a ajuda do qual criaremos um grande excedente e obteremos recursos substanciais para o investimento interno no país. Além disso, a China teve uma folga nas questões geopolíticas. Naquele tempo, como o mundo continuava com a Guerra Fria e as oposições geopolíticas ficavam mais afiadas, os chineses disseram: “Vocês podem continuar com tudo isso sem nós, pois nós temos a nossa própria questão importante a resolver, nós estamos construindo uma gigantesca base industrial, orientada para exportação.” A Rússia agiu assim? Não. O Brasil? Não.

Vedomosti – É por que eles possuem recursos naturais? Marcos Troyjo – Não só por isso. É uma questão da construção de um modelo, desenvolvimento de uma estratégia. As três questões mais importantes para os países do BRIC: 1) se existe ou não um projeto de aumento de influência, seja política ou militar; 2) se existe ou não um projeto de aumentar o bem-estar; 3) se existe ou não um projeto de aumento de prestígio. Se implementar apenas o primeiro projeto, o chamado “Hard Power”, o que num sentido particular é bem característico da Rússia e, num maior grau, da União Soviética, o país terá problemas; são imprescindíveis os outros dois projetos. A China pelo 33.º ano consecutivo realiza um projeto estratégico de aumento da prosperidade; e ela cresce na China. Este projeto é em grande parte baseado no modelo de "nação comerciante". Dentre os países que se utilizaram desse modelo (é claro, com algumas alterações) como fonte de crescimento, a Alemanha e o Japão após a Segunda Guerra Mundial e os Tigres Asiáticos, incluindo, é claro, a Coreia do Sul, foram os mais bem sucedidos. Já os países que buscaram alcançar seu status no sistema internacional muito por causa da influência geopolítica, como Cuba, Coreia do Norte e, em certa medida, a Rússia, estão atrasados.

Vedomosti – O que a Rússia deve fazer, considerando que o modelo de nação comerciante está perdendo seu apelo por causa da crise dos consumidores ocidentais, que vão comprar menos do que nos anos 1990 e nos anos 2000?

Marcos Troyjo – O que vou dizer agora é importante para a Rússia e para o Brasil. Você chamou a Rússia de país petroleiro; o Brasil também é, em certa medida, um país petroleiro e de biocombustíveis. Em ambos os casos, a questão é a dependência de um país de matérias-primas e recursos naturais. Isso é ruim? Não necessariamente. A questão gira em torno da maneira de utilizá-los. O modelo de crescimento moderno no Brasil sugere que sua riqueza de matéria-prima é um dos principais trampolins para o crescimento econômico, e esse modelo é necessário para mudar o DNA da sociedade econômica brasileira. Para mudar esse DNA é preciso uma vontade política, é preciso um plano, mas precisa-se de recursos. Estes são raros, mas o Brasil e a Rússia os possuem. Esses países recebem grandes lucros da venda de petróleo e podem investir esses lucros nos setores com alto valor agregado, para realizar um crescimento econômico de longo prazo. Acredito que um dos modelos que vão se formular tanto na Rússia quanto no Brasil é uma nova forma de substituição de importações. O poder de compra do Estado será usado como isca para as empresas estrangeiras, para que elas abram uma produção local. Esse cenário pode ser chamado de protecionismo no sentido em que a principal tendência da economia mundial no período de recuperação é marcada por uma política de contenção. Em vez de comprar uma camiseta chinesa, vocês vão pagar um pouco mais caro pela camiseta costurada na Rússia. Ou vão comprar a camiseta de uma empresa chinesa, mas produzida na Rússia. A política orçamentária e industrial do governo vai procurar estimular a produção local. Isso, na minha opinião, vai acontecer na Rússia, no Brasil e na China.

Vedomosti – Isso significa que precisamos atrair ativamente os investidores estrangeiros?

Marcos Troyjo – Certamente

Vedomosti – Em relação a isso, quais são os obstáculos para a Rússia?

Marcos Troyjo – Falta de confiança, de uma política industrial clara e coerente, de incentivos para as empresas estrangeiras abrirem sua produção na Rússia, a ausência de grandes projetos implementados pelo governo, nos quais empresas estrangeiras poderiam desempenhar um papel significativo, criando capacidade de produção. Outra coisa importante é a falta de transparência. Não é que regras não existam – elas só não são conhecidas ou são incompreensíveis. Eu gostei do discurso do Vladimir Putin no Fórum Rússia, onde ele anunciou planos para melhorar o clima de investimentos e de negócios. Pode-se gostar ou não do Putin, mas ele tem autoridade, poder e capital político. A Rússia possui um conjunto de medidas, um plano do que deve ser feito. Se unir o capital político com esse conjunto de medidas, a situação pode se transformar. Mas para alcançar isso, é imprescindível mais um elemento: vontade política. Sem esta, vai continuar tudo igual.

Diário da Rússia,


(Postado por Valéria Albuquerque - Real Consultoria e Serviços)