ECONOMIA
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'BRICs: é preciso mexer em time que está ganhando'
A afirmação é do economista e diplomata Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Universidade Columbia, de Nova York, que acompanha o crescimento dos quatro países emergentes, entre eles o Brasil
DINHEIRO: O Brasil está indo bem na condução da sua política macroeconômica?
MARCOS TROYJO: Há muitas razões para olhar o copo e dizer que está metade cheio, mas também há muitos motivos para dizer que ele está meio vazio. O Brasil tem muitas oportunidades. Só no pré-sal, a Petrobras investirá, nos próximos dez anos, o equivalente ao que a Nasa investiu nos dez anos mais produtivos na corrida espacial. Fora o que vem de outras áreas, como biotecnologia, por exemplo. Mas há muitas coisas que nós não estamos fazendo ainda.
DINHEIRO: O que você citaria que estamos fazendo certo?
TROYJO: Estamos tendo mecanismos inovadores interna e externamente de distribuição de renda. Bolsa Família é um deles. Estamos fazendo certo em aplicar programa de renda mínima. Algo mais ligado a alívio da pobreza do que ao desenvolvimento. Nós acertamos ao escolher algumas macroáreas como agricultura, mineração e petróleo e gás, onde temos grandes vantagens comparativas e competitivas. Também temos uma gestão macroeconômica há 16 anos que é espartana, com Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, uma razoável autonomia de Banco Central, as meta de inflação, etc. O que há de novo hoje: há muito tempo nao tinhamos política industrial.
DINHEIRO: Nós temos política industrial consistente?
TROYJO: Nós temos sim, sempre tivemos, de alguma forma. Mas na época em que predominavam os modelos do Consenso de Washington, mantinham-se as contas fiscais em aberto, os países tinham baixa poupança, etc. O principal pilar do Consenso, que era a idéia de que a solução de desenvolvimento viria de livres capitais, convidava à inexistência de política industrial, pois atores em si trabalhavam sob a idiea de que cabia ao mercado decidir.
DINHEIRO: E hoje?
TROYJO: Como sucessor desse período e de mentalidade, há um duplo fenômeno. Há uma parte defensiva que é governar aumentando barreiras, estabelecendo cotas de importação, por exemplo, e subsídio ao produtor nacional. Isso é um perigo, menos inovador, e responde pontualmente à gritaria de um setor ou outro. Mas não é uma estratégia de longo prazo. Agora há um outro movimento no Brasil. O País testemunha o renascimento silencioso das chamadas políticas de substituição de importações, que eu chamo de ‘substituição de importações 2.0’.A versão anterior, a 1.0, digamos assim, é quando o economista argentino Raul Prebich e o brasileiro Celso Furtado pensaram num modelo diferente, levando em conta uma tendência internacional de depreciação de commodities. A questão era industrializar ou morrer.
DINHEIRO: O cenário era outro...
TROYJO: Sim, os países não tinham poupança interna, não tinham base empreendedora nacional importante, não haviam insitituições de fomento, tudo estava por fazer. O jeito era criar uma política de contratação de poupança internacional, que é dívida externa e repassar para o ator local, e assim ele tinha os recursos necessários para se industrializar. E você protegia o ator local da competição internacional por um determinado tempo. Nesse modelo, há três caracteristicas básicas: além de ser sustentado por dívida externa, você gera moeda para obter dólar, e tem viés xenofóbico. Você tem de encontrar um parceiro local que faça o que o estrangeiro faria.
DINHEIRO: E a substituição 2.0?
TROYJO: Como a nossa economia é voltada para o mercado interno, e se trata de um mercado muito vibrante, é preciso driblar as barreiras tarifárias para aproveitar essa vantagem. A única maneira de vender aqui é se ‘abrasileirar’. É diferente da China, onde toda empresa que entra é para se tornar uma grande plataforma de exportação. Aqui não, quem entra aqui é para atender ao mercado interno. Além da ponta do consumo da sociedade, há um fenômeno mais recente, que é o do poderosíssimo instrumento das compras governamentais ou das compras de empresas de economia mista.
DINHEIRO: Estamos indo bem nessa estratégia?
TROYJO: Olha, há alguns exemplos malucos. A Petrobrás, por exemplo, precisa comprar 20 navios por ano, navios estes com autorização para cruzar continentes. O custo desses navios especiais giram em torno de US$ 75 milhões, US$ 80 milhões, dependendo da região que ele vai se movimentar. A Petrobrás vai pagar US$ 125 milhões. Ou seja, há um prêmio de US$ 45 milhões. Mas nessas especificações, 65% das embarcações têm de ser produzidas no Brasil. Precisa ter o soldador local, o engenheiro naval local, o sujeito que faz a terraplanagem localmente, e leva-se em conta os preços relativos no Brasil. Terras mais caras, infraestrutura de energia, etc.
DINHEIRO: Mas o que justifica esse prêmio de US$ 45 milhões sobre o preço médio internacional?
TROYJO: 50% dos US$ 45 milhões é curva de aprendizado para o Brasil. Em dez, 15 anos, cria-se um aprendizado que faz com que a oportunidade corra atrás desse conhecimento. Os outros 50% são os custos locais: trabalhista, fiscal, complexidade tributária no Brasil. O nome do jogo é ‘local-contentismo'.
DINHEIRO: Há uma choradeira geral sobre desindustrialização no Brasil. Estamos perdendo indústrias?
TROYJO: Na verdade o Brasil está se reindustrializando em alguns setores, caso de petróleo e gás, logística, na cadeia agropecuária e na indústria naval.
DINHEIRO: Nós conseguimos mensurar quando isso começa a trazer o retorno efetivo para o país?
TROYJO: Transformar-se num pólo industrial vai depender do que faremos com a nossa curva de aprendizado. Com 5% de PIB em educação dá para fazer isso? Não. E para aprender, você precisa de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento. O Brasil está grudado há 25 anos no teto de 1% de investimento em P&D.
DINHEIRO: O que precisa mudar no Brasil?
TROYJO: Qualquer setor manufatureiro no Brasil gasta menos tempo falando com sua cadeia de fornecedores e mais com seu contador, e advogado para entender cipoal tributário. é uma das coisas que não estamos fazendo. se este país investir 7,5% em educaçao, poupar 25% do pib, investir 2,5% em Ciência e tecnologia, e hoje há todas as condições para fazer isso, por causa do nosso ‘hedge’ do pré-sal. Se fosse assim, seríamos uma potência, podíamos ter uma renda per capita igual à da Espanha (US$ 29 mil), quase três vezes a nossa.
DINHEIRO: Privilegiar o conteúdo local tem recebido críticas, como uma fórmula protecionista que facilita a ineficiciência.
TROYJO: A primeira pergunta que faço no curso que promovo em Columbia é: Os BRICs estão efetivamente emergindo? Todos dizem que sim. Mas estão subindo por quê? Eles estão ascendendo porque têm conseguido trabalhar políticas de atração de investimento para desenvolver conteúdo local.
DINHEIRO: Por que nós não conseguimos alcançar o status de plataforma de exportações, como outro países?
TROYJO: Este é um tema que eu estudei muito. Pelas mais diferentes razões. Desde razões "lusoibéricas", a memória genética da monocultura de exportação ainda é muito presente. Se você tem uma cultura de exportação de poucos produtos, ou oligocultura, não é necessário ter uma pauta internacional brilhante. Não se é um país vendedor, é um país que é comprado. Isso é um fator histórico que explica coisas engraçadas. Somos um país de 190 milhões de pessoas e 8 empresas multinacionais. A Suécia é um país de 8 milhões de pessoas e tem 180 empresas multinacionais.
DINHEIRO: Os outros países do BRIC estão melhores que nós?
TROYJO: A Rússia já teve o maior centro de cientistas. Em 1972, a URSS tinha um em cada 4 cientistas no mundo. Eles competiam na corrida especial, mas não conseguiam desenvolver um fogão para esquentar comida. A Rússia tem um problema demográfico hoje, muitos idosos. Tem um cheiro de fim de século, depressivo, de que o passado é mais glorioso que o presente e futuro será menos ainda. Um jovem de 20 anos na Rússia quer ir embora. Faz coisas lindas, na arquitetura, bons na arte, é um caso muito complexo. As pessoas não querem mais ter filhos, e além disso, carecem de transparência no Estado.
DINHEIRO: E a Índia?
TROYJO: Um professor disse certa vez que a China era um civilização fingindo ser um país. Acho que a Índia também. É um pais tão grande, com escolas como o MIT, Oxford, tem um pólo de software, farmacêutico, e tem muito empreendedorismo, mais que a China, o Brasil, e a Rússia. A experiência de falar inglês massivamente os fez adquirir a cultura de venture capital, por exemplo. Mas eles também têm 800 milhões de pessoas qee vivem sob as limitações de regimes de castas. É um país, também, com características complicadas. Já teve problemas com a China, é país nuclear, e tem um vizinho nuclear que o odeia (Paquistão)...
DINHEIRO: E quanto à China?
TROYJO: Ela está fazendo as coisas certas. Investe em educação, inovação. Em 2000, somente 0,6% ia para P&D. Hoje, investe 1,5%. Em 2025, serão 2%. Os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,25%. O que eles aprenderam? As razões que os farão grandes fortes, poderosos e prestigiosos no futuro são razões diferentes que os tornaram mais fortes, poderosos e prestigiosos nesta década. No futebol dizemos: em time que está ganhando não se mexe. Mas para falar do futuro dos BRIC é exatamente o oposto. Um time que está ganhando e que precisa ser mexido para que continue vencendo. É porque está dando certo que você precisa mudar. Querem deixar de ser nação comerciante para investir mais em ciência e tecnologia. Querem menos crescimento do PIB mas com mais qualidade. Os chineses têm um plano. Ao contrário de nós: nós não temos um plano.
DINHEIRO: Então entre os quatro países, o mais pronto é a China?
TROYJO: Há dados para sustentar isso. Trilhões de dólares de reserva, US$ 1,2 trilhão de exportações.
DINHEIRO: O Brasil não tem tantas reservas, por exemplo, mas está melhor do que no passado...
TROYJO: Mas aí você está comparando o Brasil com ele mesmo. E aí é como bater o recorde sulamericano de natação. É bom, mas não é o recorde mundial. Mas se por um lado a China está bem preparada, ela tem desafios muito maiores de escala brutal. Os brasileiros são, entre aspas, “mais fáceis” de serem manejados. É só querer...
Director, BRICLab
Columbia University
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Valéria Albuquerque - Pedagoga e Consultora Empresarial - Real Consultoria e Serviços.